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Coração de vidro

Folhas Soltas, Por Marcos Vinicius Cabral, Jornalista

Em 25/07/2024 às 08:35:49

Não é de hoje que tenho acordado e sentido o coração batendo à toa. Agonizando pelo vazio, talvez isto explique o motivo.

Sem minhas irmãs Flávia e Suelen, minha mãe Nelcina, minha esposa Raquel e minha filha Gabrielle, tenho encarado sozinho os fantasmas que vêm, vejam vocês, disfarçados de saudade, me assombrar.

Meu pai não está mais aqui. Foi embora em janeiro de 2022. Era uma terça-feira traiçoeira destas, que chega, mostra educadamente a face e consegue arrancar de nós até os dentes. Fez isso sem dó nem piedade.

Foi assim o que aquela terça-feira fez. Até hoje lembro. Levou de mim a minha referência de honestidade, de uma pessoa boa e prestativa e, além de tudo, era o meu velho.

A saudade no domingo, dia 21, foi assim. Estágio avançado e custa-me passar de fase. Admito não possuir habilidade alguma para gerir crises existenciais. Tento ser duro, mas me considero um 'roda presa' nesta via de sentido obrigatório.

Saudade vem, saudade vai! É o que tenho vivido.

Humano, minhas limitações ficam à mostra aos que querem enxergar em mim um cidadão normal e, acima de qualquer suspeita, forte.

Não, não sou!

Mas o meu egoísmo de filho, tomado pela emoção, não deixava de pensar "como seria bom se meu pai chegasse aqui no quintal de casa com o saco cheio de pães nas mãos após mais um dia difícil". Ali, naquele momento, trazendo consigo o cheiro de trabalho e o jeito ranzinza que nem minha mãe suportava.

Mas, de olhos fechados, recordo-me das homéricas brigas que meu pai mantinha com o sujeito oculto que deixava sempre o portão aberto.

'Filho feio não tem pai', resmungava alto passando a mão na chave para tirar aquela soneca gostosa até dar a hora de buscar minha mãe no trabalho.

Parecia que o entardecer era escuridão por si só e as estrelas prateadas se debruçavam sobre a lua para assistir aos últimos passos daquele homem. 'Que figura', diziam.

Assim foi...

Recentemente olhei pelo esconderijo e não vi o carro dele na garagem. Era branco e de aluguel. A placa, vermelha. Havia uma lista azul de fora a fora nas laterais.

Tristeza leve. Saudade pesada.

Mas é a vida...

Estive domingo passado no Grajaú e voltei a jogar bola após luto pela morte de meu pai e das duas hérnias lombares. Atravessei a Ponte Rio-Niterói e na volta vim devagar. Beethoven ao meu lado e Gabrielle e Daniel apaixonadíssimo no banco do carona fizeram a viagem silenciosamente valer a pena.

Senna tinha razão. Os motores entendem nosso pensamento.

Na travessia, o vento soprava. Não quis ver a Baía de Guanabara, nem ouvir música, não quis gaivotas voando, tampouco o sol me dando 'bom dia'. Ora, nem pessoas sorrindo notei e desviei o olhar das nuvens que quiseram arrancar de mim um sorriso que tem me faltado.

Mesmo acompanhado pelos elementos que fizeram a combinação ser a mais perfeita possível, estávamos apenas eu, meu carro, e meu pai que a memória trazia à cena naquela viagem.

Cheguei na minha casa. Aturdido, é verdade, a realidade me segurou pelos braços e disse': "Vamos, vamos viver, homem!".

Agradeço ao Beethoven, a Gabrielle e ao Daniel, pois o silêncio deles me ajudou de alguma forma a compreender o sentido da vida.

Calado voltei. Pedi a Deus para ter um coração de ferro e não de vidro como o meu.

Pai, desculpe a minha fragilidade, mas teu filho sempre foi assim. Até um dia!

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